sexta-feira, 4 de maio de 2018

A missa tradicional

Homilia do Arcebispo Sample, de Portland nos Estados-Unidos, sobre a missa tradicional na forma extraordinária do rito romano.
Vale a pena escutar para perceber porque também devemos celebrar e conhecer a missa tradicional:


A minha tradução da homilia para português, com base no texto em inglês obtido neste excelente artigo do OnePeterFive:
[00:00:00] Em nome do Pai e do filho do Espírito Santo.

[00:00:06] Meus queridos irmãos e irmãs no Ressuscitado, é com a maior alegria que hoje me reúno com todos vocês neste lindo Santuário Nacional dedicado à nossa Santíssima Virgem sob o título de Imaculada Conceição - padroeira do nosso grande país. Estamos no santuário de Maria e estamos todos cheios de gratidão e alegria. Celebramos hoje esta Santa Missa em honra do Imaculado Coração da Bem-Aventurada Virgem Maria. Somos todos pecadores, mas em seu Coração Imaculado encontramos refúgio, consolo, proteção, força e o amor de seu abraço materno.

[00:01:31] Assim como Santa Maria ficou ao pé da cruz do nosso Divino Salvador, onde o seu coração foi perfurado pela espada da tristeza. Assim, ela permanece ao nosso lado hoje, aos pés deste altar, enquanto nós sacramentalmente re-apresentamos o sacrifício que Cristo realizou de uma vez para sempre.

[00:02:07] Como nos recorda o documento do Concílio Vaticano II sobre a sagrada liturgia - referenciando os ensinamentos do Concílio de Trento - Cristo que ofereceu-se formalmente de maneira sangrenta no altar da Cruz é agora oferecido sacramentalmente e de maneira incruenta no Santo Sacrifício da Missa. E Sua Santa Mãe une-se a nós neste oferecimento na grande comunhão de todos os santos.

[00:02:55] Também nos reunimos para celebrar o décimo aniversário do grande presente que o nosso amado Papa Bento XVI deixou à Igreja no seu motu proprio, Summorum Pontificum. Caro Santo Padre, sei que falo em nome de todos os que estão aqui reunidos, dos que assistem a esta transmissão ao vivo através da EWTN e de muitos outros quando agradeço por sua sabedoria, visão e generosidade pastoral ao permitir que o usus antiquior do Rito Romano mais uma vez floresça na Igreja Universal.

[00:03:54] Ao nos reunirmos aqui hoje nesta magnífica basílica, não podemos deixar de notar a presença muito grande de jovens que vieram para participar desta Santa Missa. Conheci um bom número de vocês pessoalmente. Você são um sinal - um grande sinal - de encorajamento e esperança para a Igreja jogada nestes dias nas turbulentas águas do secularismo e do relativismo. Como se costuma dizer, vocês compreendem. Vocês compreendem o vosso lugar no mundo e na Igreja para ajudar a reconstruir uma cultura de vida na sociedade e uma renovação da cultura católica dentro da própria Igreja.

[00:05:04] Ao longo dos anos, desde o lançamento do Summorum Pontificum, ouvi muitos na Igreja - incluindo padres e bispos - expressarem perplexidade e desânimo por que tantos jovens são atraídos para esta forma venerável do Rito Romano. Eles dizem coisas como: "Eu simplesmente não entendo. Como eles poderiam se sentir tão atraídos por uma forma de liturgia com a qual não cresceram nem viveram anteriormente?”. Se o comentário foi dirigido a mim, eu sempre respondi “Essa é exatamente a pergunta que você deveria fazer. Porque eles são atraídos para esta liturgia? Ou talvez mais incisivamente. O que é que esta forma do Rito Romano tem para eles que sua própria experiência crescendo com a Forma Ordinária não forneceu? Isso nos dará uma visão de como será o futuro desenvolvimento litúrgico”.

[00:06:38] Agora eu não quero ser mal interpretado. Não estou, de forma alguma, questionando a reforma litúrgica que foi realmente pedida pelo Concílio Vaticano II. Tampouco questiono a legitimidade da validade ou mesmo da bondade do missal promulgada pelo beato Paulo VI. Mas talvez na implementação real das diretivas do concilio nem tudo o que aconteceu tenha dado bons frutos. E, certamente, através dos abusos litúrgicos, outras aberrações ou simplesmente um ars celebrandi pobre, a Forma Ordinária do rito romano foi muitas vezes desfigurada e experimentada como uma ruptura com o nosso passado litúrgico.

[00:07:54] Muitos jovens descobriram esta forma da sagrada liturgia como parte da sua própria herança católica. Eu mesmo descobri a missa latina tradicional como estudante universitário. Eu me deparei com isso. Mas para mim foi uma relíquia histórica e algo que eu nunca imaginei que eu realmente experimentaria. Talvez a experiência destes jovens que cresceram com a Forma Ordinária não levou consigo a sensação de beleza, reverência, oração plena, sentido do mistério, e transcendência que a missa tradicional em latim lhes proporcionou. Talvez esta seja a resposta para a pergunta acima sobre porque tantos jovens são atraídos para a Santa Missa celebrada de acordo com o missal de 1962.

[00:09:09] O Papa Bento XVI fez referência a isso na sua carta aos bispos do mundo que acompanhou a divulgação do Summorum Pontificum. Ao falar dos esforços do Papa São João Paulo para pastoralmente proporcionar áqueles ligados à liturgia tradicional - que o Santo Papa fez através de seu próprio motu proprio, Ecclesia Dei, em 1988 - o Papa Bento XVI escreveu: “Imediatamente após o Concílio Vaticano II presumia-se que os pedidos para o uso do missal de 1962 seriam limitados às gerações mais velhas que haviam crescido com ele. Mas, entretanto, ficou claramente demonstrado que os jovens também descobriram essa forma litúrgica, sentiram a sua atração e a encontraram como uma forma de encontro com o mistério da Sagrada Eucaristia, particularmente adequada a eles. Assim, surgiu a necessidade de uma regulamentação jurídica mais clara que não estava prevista na época do motu proprio de 1988. ”

[00:10:40] Agora, não quero esquecer a geração mais velha de católicos que permaneceram ligados a essa antiga liturgia. Vocês são também importantes. Esta é a Missa da época que alimentou a vida de fé de gerações e gerações de católicos - incluindo a geração dos meus pais. Eu sempre penso sobre isso. Esta é a missa em que os meus avós participaram. Esta é a missa que alimentou a fé e a devoção de minha mãe enquanto crescia. Deus descanse sua alma. Esta é a missa que atraiu o meu pai para a Igreja e ajudou a alimentar a sua conversão. Esta é a missa que produziu santos.

[00:11:53] Acredito que uma das frases mais importantes na carta do Papa Bento XVI mencionada acima é a seguinte: “Não há contradição entre as duas edições do Missal Romano. Na história da liturgia, há crescimento e progresso, mas não ruptura. O que as gerações anteriores consideraram como sagrado permanece sagrado e grande para nós também, e não pode ser de repente totalmente proibido ou mesmo considerado prejudicial. Cabe a todos nós preservar as riquezas que se desenvolveram na fé e oração da Igreja e dar-lhes o devido lugar. ”

[00:12:53] Enquanto continuamos a nossa celebração do décimo aniversário do Summorum Pontificum, desejo abordar um último ponto. Isto tem a ver com a motivação do papa emérito em emitir o motu proprio. Ele disse que é uma questão de chegar a uma reconciliação interior no coração da Igreja.

[00:13:29] Durante a minha visita ad limina a Roma no ano de 2012, e durante a nossa visita ao Papa Bento XVI, tive a oportunidade de lhe agradecer pelo dom do Summorum Pontificum. Ele respondeu longamente à minha intervenção, começando por dizer que havia emitido o Motu proprio para reconciliar a Igreja com o seu passado. Esta reconciliação da qual o papa emérito falou envolve aprender com a experiência da Sagrada Liturgia segundo o usus antiquior, a fim de melhor informar e moldar a nossa compreensão e celebração do mais recente Rito Romano. Com ambas as liturgias florescendo lado a lado, poderia haver um mútuo enriquecimento das duas formas do único Rito Romano, talvez levando a u maior desenvolvimento e progresso litúrgico. Depois de mencionar algumas maneiras pelas quais o Missal Romano de 1962 poderia ser enriquecido pelo mais recente Missal Romano, o Papa Bento XVI disse que a forma mais antiga da liturgia poderia enriquecer a nova forma: “A celebração da Missa segundo o missal de Paulo VI será capaz de demonstrar mais poderosamente do que tem sido o caso até agora a sacralidade que atrai muitas pessoas ao uso anterior".

[00:15:20] A garantia mais segura de que o Missal de Paulo VI pode unir as comunidades paroquiais e ser amado por elas consiste em ser celebrado com grande reverência em harmonia com as diretrizes litúrgicas. Isso trará a riqueza espiritual e a profundidade teológica deste missal.

[00:15:43] Acredito que esta é uma chave para interpretar o desejo do Papa Bento XVI, a saber, que o florescimento da forma mais antiga da liturgia com a sua beleza, reverência e sacralidade irá causar um desenvolvimento natural e enriquecimento da forma em que a nova missa é celebrada. Como ele diz que não pode e não deve haver uma ruptura entre as duas formas, deve-se reconhecer o antigo Rito Romano no mais novo. Muitas vezes tenho a impressão de que muitas pessoas na igreja vivem suas vidas como se a igreja tivesse pressionado um botão de reset no Vaticano II, e que o passado não tivesse mais relevância, especialmente em relação à Sagrada Liturgia. Deve haver mais crescimento e desenvolvimento litúrgico nos moldes de uma hermenêutica de continuidade com o passado e qualquer experiência de ruptura deve chegar ao fim. Que assim seja.

[00:17:03] E assim meus queridos irmãos e irmãs, agradeçamos a Deus pela vida, pelo ministério pastoral e pela coragem do Papa Bento XVI. Vamos agradecer ao Senhor pelo presente que o papa Bento nos deu - a maior celebração e disponibilidade da forma antiga da nossa herança comum no Rito Romano. Rezemos pelo Papa Bento XVI para que o Senhor lhe conceda paz e alegria durante o tempo que o Senhor permite que ele esteja nesta terra orando e se sacrificando por nós. Nós levamos agora as nossas orações de gratidão ao maior de todos os actos de acção de graças: a celebração da Santíssima Eucaristia.

[00:17:59] Vamos então até ao altar de Deus.

[00:18:02] Em nome do pai e do filho e do Espírito Santo.

Motu Proprio Summorum Pontificum do Papa Bento XVI

Carta do Papa Bento XVI aos Bispos

A celebração completa da missa tradicional pode ser vista aqui:

Partilho também o testemunho do Bispo Emérito do Funchal, D. Teodoro, sobre a missa tradicional, que o blogue Senza Pagare nos partilhou aqui:

"Bispo português explica a importância da Missa Antiga nos nossos dias
 
Sobre a Constituição da Sagrada Liturgia, tive a ocasião de escrever este ano, após 50 anos do Concílio, algumas considerações nas Pedras Vivas, no Jornal da Madeira e revi a legislação Pontifícia do Papa João Paulo II sobre a faculdade do uso do Missal Romano editado em 1962 pelo Papa João XXIII, e em 1988 com a carta apostólica Ecclesia Dei. O Papa Bento XVI, com a carta apostólica sob forma de Motu próprio, regularizou o uso do «rito tradicional» ou «missa tridentina», também chamada a «missa de sempre» de S. Pio V.

Ao ser convidado pelos Cavaleiros de Colombo (Knights of Columbus) para nos Estados Unidos promover a Liga de Orações (Gebetsliga), para a canonização do beato Carlos de Áustria, a organização dos «cavaleiros» procurou informar-se se eu sabia latim, e conhecia o canto gregoriano para a celebração da Eucaristia, devido a terem adaptado o «rito antigo», ou «rito romano clássico», em latim, como fora regulamentado pelos Papas para a Igreja latina.

A minha resposta foi afirmativa. Durante os dez primeiros anos de sacerdócio celebrei a missa em latim, cantei todas as missas em gregoriano, tanto no Funchal, como em Roma, e nos países onde estudei línguas (França, Inglaterra, Alemanha, Jordânia e Israel). Além disso, como aluno das Universidades Gregoriana e Bíblico, sempre tive aulas e exames em latim. Após o Concílio, já em Roma, celebrei a missa em italiano e português, tendo usado o latim nos grandes santuários internacionais como Lourdes, Roma, Londres, Paris e Jerusalém.

Na visita pastoral aos Estados Unidos às comunidades portuguesas celebrei sempre em português e inglês. Desta maneira o encontro com os Cavaleiros de Colombo proporcionou-me um conhecimento actual da enorme expansão do rito tradicional, ou latim, nos Estados Unidos, o que acontece também em grande escala no Canadá, Brasil, Argentina, França, Suíça e, de forma mais reduzida noutros países católicos do mundo. Portugal é conhecido por não ter celebrações em latim, a não ser algumas partes do Cânone em Fátima, sendo a língua de Cícero cada vez mais desconhecida de padres e bispos portugueses. De facto, na diocese do Funchal durante os 25 anos de ministério episcopal nunca celebrei pontifical ou missa solene em latim e, em relação com o canto gregoriano, procurei que ele não se extinguisse, como recomenda a Congregação para o Culto Divino, ao menos para as melodias simples.

Quem reabrir os documentos conciliares encontrará na Constituição sobre a Sagrada Liturgia (nº 36, §1): “Deve conservar-se o uso do latim nos Ritos Latinos, salvo o direito particular”, e (nº 101, §1), diz-se que, conforme à tradição secular do rito latino, a língua a usar no Ofício Divino é o latim, contudo o ordinário pode dar a «faculdade de usar uma tradução em vernáculo». Quanto à Música Sacra, (no cap. VI nº 116), «a Igreja reconhece como canto próprio da liturgia romana, o canto gregoriano», não «excluindo todos os outros géneros de música sacra».

Atmosfera de oração e reverência

A visita de Outubro aos Estados Unidos apresentou-me um panorama espiritual novo na celebração da Eucaristia que muito me impressionou, tanto na missa em latim, como em grego, nos ritos orientais dos católicos ucranianos. Até alguns jovens acólitos e meninos da catequese, respondiam e cantavam em latim, e em grego no rito oriental de São João Crisóstomo. É certo que os fiéis participam normalmente no culto em inglês, mas um vasto número de jovens padres, leigos e fiéis descobrem na missa tradicional o sentido sagrado ou do celeste que se atenuou na missa em língua vernácula, dizendo que se colocou o homem no centro da celebração e não Cristo Senhor.

O Concílio Vaticano II privilegiou na liturgia a “acção de Deus” ou “acção de Cristo”. Existe um perigo latente, o sacerdote pode pensar que ele é o centro da liturgia, e o rito pode apresentar o aspeto de teatro ou performance de um apresentador de televisão. O celebrante não é o protagonista da ação litúrgica, não é o ponto de referência, para ter mais sucesso perante o público. Embora não seja para imitar mas os budistas e os muçulmanos demonstram reverência a Deus quando oram, colocando a cabeça por terra.

O uso do latim apoia a universalidade da Igreja e da unidade dos fiéis, mas os missais ao lado do texto latino devem ter uma tradução na própria língua, como encontrei na catedral de Washington e noutras igrejas. É opinião comum dos que optaram pelo latim que a missa mantém melhor o silêncio interior e exterior e uma atmosfera de oração e reverência.

É permitida a missa em latim em todas as circunstâncias? Tudo foi regulamentado pelo Papa Bento XVI que, na Carta Apostólica, afirma que o Missal Romano promulgado por Paulo VI é a expressão ordinária da «lex orandi» (lei de orar) no rito latino; o missal romano, aprovado por São Pio V e reeditado pelo Papa João XXIII, deve ser considerado como expressão extraordinária da mesma «lei de orar» e gozar da devida honra pelo seu uso venerável e antigo, são dois usos do único rito romano. Por isso “é licito celebrar o sacrifício da missa segundo a edição típica do missal romano promulgado pelo beato João XXIII em 1962, e nunca abrogado, como forma extraordinária da liturgia da Igreja”.

Na Missa com ausência de povo, o celebrante pode celebrar tanto num rito como noutro, com excepção do Tríduo Pascal, e não necessita de autorização da Sé Apostólica nem do seu Ordinário. As comunidades ou Institutos de Vida Apostólica, nos conventos ou oratórios próprios, podem usar o missal de Pio V e, se quiserem de um modo frequente ou habitual, precisam da decisão dos seus Superiores Maiores. Nas paróquias, se houver um número notável de fiéis que prefira a missa em latim, aconselha-se o pároco a acolher o seu pedido, sob orientação do bispo diocesano para evitar a discórdia e desunião na Igreja. O bispo pode erigir uma paróquia pessoal para a celebração antiga.

Estas permissões foram concedidas a 7 de Julho de 2007 por Bento XVI e permitem compreender a sua expansão em centenas e milhares de igrejas nos EUA e noutros países. Celebrei num mosteiro de carmelitas que escolheu o rito latino e, em New York, no centro de Manhattan, na igreja dos Santos Inocentes celebra-se todos os dias a missa em latim com canto gregoriano às 18h, assim como se reza todas as semanas a missa pelas crianças não nascidas, devido aos abortos. Devo afirmar que nas igrejas onde celebrei em latim nunca faltou o número suficiente de padres e acólitos para o pontifical romano nem uma numerosa participação de fiéis que, algumas vezes, cantavam o gregoriano da própria festa.

Não o escrevo para ser imitado, mas entre os padres mais novos e alguns mais velhos, há uma natural procura da Missa em latim e canto gregoriano, levando alguns padres a um estudo mais profundo da língua latina. Que posso dizer destes factos? “Admiro-me com as turbas”, como dizia o Padre António Vieira. Afirmo também que não me envergonho de saber latim, nem cantar gregoriano, ou vestir os paramentos que usei nos primeiros anos do meu sacerdócio. O que torna o sacrifício eucarístico impuro, o que mancha e envergonha o espírito não são as vestes, o latim ou o cântico, mas o que São Paulo escreve ao discípulo Tito: “Todas as coisas são puras para os puros, mas para os impuros e infiéis nada é puro, porque o seu espírito e a sua consciência estão contaminados” (Tito 1, 15ss).

Funchal, 10 de Novembro de 2013
† Teodoro, Bispo emérito do Funchal"


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