sexta-feira, 18 de maio de 2018

O nosso dever

Há alguns domingos atrás foi-nos feita uma exortação e dado um exemplo que nos nossos dias nos pode parecer estranho ou difícil. As passagens a que me refiro são as seguintes:

"Entretanto, a Igreja gozava de paz por toda a Judeia, Galileia e Samaria, edificando-se e vivendo no temor do Senhor e ia crescendo com a assistência do Espírito Santo." (da leitura I Actos 9, 26-31).

"Pedro disse-lhe ainda: «Na verdade, eu reconheço que Deus não faz acepção de pessoas, mas, em qualquer nação, aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável»." (da leitura I Actos 10, 25-26.34-35.44-48)

Nestas passagens é nos apresentado o temor de Deus como fazendo parte da vida cristã, da sua importância no crescimento dessa vida e do quanto é agradável a Deus.

Uma sociedade que cada vez mais se esquece de Deus e vive-lhe indiferente, que coloca o Homem como fonte, centro e destino de toda a atenção (isto vem dos erros do iluminismo e do renascimento, em que o Homem ilumina a sua vida pelo seu intelecto e capacidades e renasce por si mesmo, em vez de se iluminar pela luz que é Cristo e renascer na Verdade no baptismo), dificilmente compreende e aceita o temor de Deus.

Vamos tentar acender esta luz que Deus nos dá.

O que é o temor de Deus?
"O temor do SENHOR é o princípio da sabedoria;
são prudentes todos os que o praticam.
O seu louvor permanece eternamente."
(Salmo 110, 10)

O temor de Deus é o princípio da sabedoria e como vimos nas leituras acima faz parte da edificação da Igreja e da vida cristã que é agradável a Deus. O temor de Deus é um dos dons do Espírito Santo.

Começamos pelo que não deve ser o temor de Deus.
Este não deve ser o medo e temor mundano, com medo de sofrer algo na nossa integridade física, de perda de algo temporal, não deve ser um medo do sofrimento ou do castigo.

O temor de Deus tem duas faces: o reconhecimento de Deus como Senhor e o reconhecimento de Deus como Pai. É o que rezamos no Credo, "Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso...Creio em um só Senhor, Jesus Cristo... Creio no Espírito Santo. Senhor que dá a vida". Deus é Senhor, nós somos as suas criaturas e ao mesmo tempo pelo baptismo Deus é nosso Pai e nós somos Seus filhos adoptivos. Assim, o temor parte do reconhecimento destas duas relações que temos com Deus e do reconhecimento dos nossos deveres, dos dons e graças que recebemos a partir dessas duas relações.

É no reconhecimento da grandiosidade destas duas relações e da resposta que devemos dar a elas que se coloca o temor. Seremos capazes de Lhe corresponder, de seguir o caminho certo e de responder adequadamente? Não o ofender, não ser um mau filho, não ser o servo mau e preguiçoso?
Felizmente Deus dá-nos a Graça para o conseguirmos, Jesus deu-nos a Igreja como barca de salvação, os sacramentos, o Santo Sacrifício da missa, o Espirito Santo que nos acompanha, etc., tudo isso para vivermos e seguirmos na Graça de Deus, guardando os Seus mandamentos. Estes não são um fardo nem apenas um ideal, são a vida que Deus quer que vivamos, é onde está a verdadeira felicidade e único caminho para O alcançarmos.
É perante esta grandeza de Senhor e Pai que nos pede para seguirmos um caminho e ao mesmo tempo nos dá o que necessitamos que se coloca o temor de Deus. Compreendemos a gravidade do pecado, a grandeza da majestade e do amor de Deus, aos quais devemos corresponder.

Deus é Senhor

No Evangelho o Senhor lembra-nos essa primeira relação: "Digo-vos a vós, meus amigos: Não temais os que matam o corpo e, depois, nada mais podem fazer. Vou mostrar-vos a quem deveis temer: temei aquele que, depois de matar, tem o poder de lançar na Geena. Sim, Eu vo-lo digo, a esse é que deveis temer." (Lc 12, 4-5).
Deus criou-nos para O conhecermos, amar-mos e adorar-mos, deu-nos a vida e é o criador de todas as coisas, é imenso e todo-poderoso, é infinitamente bom, justo, misericordioso e santo.
Ao mesmo tempo deu-nos um caminho de salvação, onde quem acreditar será salvo e quem não acreditar será condenado.

Diante da Sua magestade e da Sua grandeza vemos e percebemos o abismo que existe entre nós Deus. Ao mesmo tempo surge o medo de ofender a Deus com o pecado, pois quem ama de facto o Senhor teme perder a Sua amizade, pois com o pecado reduzimos ou perdemos a Graça de Deus.

Deus é Pai

Deus pela redenção alcançada por Cristo torna-nos Seus filhos adoptivos no baptismo, quer que vivamos na Sua Graça, que a nossa vida seja uma oração, louvor e acção de graças ao Seu amor, quer que levemos o Seu amor ao mundo e o santifiquemos. Quer que sejamos salvos e não nos percamos.

Diante de tamanho amor surge o medo de Lhe não correspondermos, o ofendermos, não vivermos e transmitirmos esse mesmo amor e caridade. Aqui surge também a piedade, que também é um dom do Espírito Santo, em que com temor também temos a devoção, o fervor e a experiência de viver em comunhão com Deus.

O temor de Deus

Teme a Deus quem procura praticar os seus mandamentos com sinceridade de coração. Quantas vezes tememos mais a justiça dos Homens do que a justiça de Deus! Santo Anastácio a este respeito dizia: "A quem devo temer mais, a um homem mortal ou a Deus, por quem foram criadas todas as coisas?".
Por este divino dom, torna-se Deus a pessoa mais importante em nossa vida, onde a alma docemente afasta-se do erro pelo temor em ofendê-Lo com nossos pecados. Por este dom não queremos que Deus seja ofendido, por nós nem pelo próximo. Tememos as consequências do afastamento de Deus.
Este dom ajuda-nos a evitar tudo o que nos afasta d'Ele, não por medo do castigo mas pela justa consciência de que ao nos afastarmos d'Ele, nós próprios O perdemos voluntariamente.

 O nosso dever

Os fariseus viviam segundo uma duplicidade, tinham a Lei mas depois a moldavam conforme o que mais lhes convinha. O Senhor mostrou a hipocrisia dos fariseus, veio levar a Lei à perfeição para que viver no amor e na Graça de Deus seja guardar os mandamentos, que se reflectem em amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos.
A vida cristã tem uma coerência que se vive nos mandamentos, no amor, misericórdia e justiça, assim a nossa oração deverá estar conforme a nossa vida e a nossa vida molda-se também pela nossa oração. A lei da oração é a lei do coração.

Na missa no prefácio da oração eucarística o sacerdote e os fiéis rezam as seguintes orações:
O Senhor esteja convosco.
R: Ele está no meio de nós.
Corações ao alto.
R: O nosso coração está em Deus.
Dêmos graças ao Senhor nosso Deus.
R: É nosso dever, é nossa salvação.
Senhor, Pai santo, Deus eterno e omnipotente, é verdadeiramente nosso dever, é nossa salvação dar-Vos graças, sempre e em toda a parte por Cristo, nosso Senhor.

No prefácio da oração eucarística vemos então o reconhecimento de Deus, Pai santo, Deus eterno e omnipontente perante o qual é nosso dever e nossa salvação dar-mos graças, sempre e em toda a parte. A oração molda a nossa vida e a nossa vida deve ser coerente com a oração, com este reconhecimento. Peçamos a graça do dom do temor de Deus para que cresçamos na santidade, no amor e na piedade, para vivermos uma vida cristã como Cristo nos mostrou e ensinou, coerente na perfeição da Lei e do amor de Deus.

O concilio Vaticano II afirmou que a missa é a fonte e centro da vida cristã, esta expressão faz-me pensar o que na missa leva-nos ou não a aproximar-nos de Cristo. A participação activa exige muito mais do que ouvir e fazer, é necessário também um compromisso pessoal e uma compenetração do sentido que a missa tem na salvação, é necessário o desejo de seguir Cristo e ser seu discípulo, dar espaço e tempo para Ele proporcionando e rezando num ambiente de recolhimento e apartamento do mundo que facilite esse encontro pessoal com Cristo. Aprendermos a estarmos ao serviço de Cristo, dando-Lhe o lugar principal de forma a que cada um se aproxime da fonte, deixar que Cristo fale a cada um, fazer do santuário uma janela para o Céu. 

"Esta é, na verdade, a vontade de Deus: a vossa santificação" (1 Ts 4,3) e por isso vamos ao Altar de Deus.

Devemos viver no amor de Deus, compreendendo que Deus é amor mas o amor não é Deus. A vida que Deus nos quer dar é um mergulhar na Sua própria existência, onde no mundo natural elevamos o olhar para o sobrenatural e eterno. É isso que o Senhor nos pede.

Perante o esquecimento de Deus por parte da sociedade e do relativismo devemos crescer na Fé, procurar e conhecer a Verdade, perseverando na Igreja de Cristo.

Assim devemos perseverar na vida crisã, seguindo o desejo dos simples e humildes: viver na graça de Deus e alcançar no Céu os braços do Pai, Senhor todo-poderoso. E como eles nos ensinaram o temor de Deus é o início da sabedoria.

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