quarta-feira, 31 de outubro de 2018

A Verdade e a Vida

Num país distante existe uma criança que não conheces e de quem não sabes nada, não te é possível entrar em contacto com ela, no entanto sabes que existe. Para ti, essa criança tem valor e importância?
Claro que sim, tem valor e importância, mas de onde vem esse valor e importância se não te é possível entrar em contacto com ela?
O valor e importância dessa criança não está dependente de ti, está nela própria, tem um valor e importância que lhe são próprios. Existe algo nela de valor e importância que não és tu que lhe atribuis, mas antes sim descobres nela esse valor que ela já possuía.

Estás a começar a descobrir a Vida.
Cada ser possui um valor e importância próprios que são independentes do que cada um de nós possa encontrar nesse ser. Esse valor e importância é a Vida. Esta é também independente da vida material no mundo, pois mesmo que esse ser tenha uma vida material no mundo que seja infeliz e desafortunada nunca é um ser descartável, sem valor e importância.
Esta Vida é dada por Deus a cada ser, e para vermos em cada ser a Vida temos de nos abstrair de nós mesmos de forma a não cairmos no erro de lhe atribuirmos nós um valor de forma subjectiva.
Jesus abre-nos os horizontes e o olhar mostrando-nos que há algo mais do que a vida material no mundo, existe esta Vida maior. Jesus ensina-nos que a alma vive eternamente e que um dia Ele voltará para estabelecer o Seu Reino definitivamente, aqui vemos que esta Vida vai muito para além da vida material no mundo.

Agora imagina uma árvore que dá fruto, esta também tem um valor que lhe é próprio. Esta árvore mostra-nos a beleza do Criador, a ordem e o ciclo da vida que vem da Criação e o fruto com que o Criador atende às nossas necessidades. Portanto o simples facto de a árvore existir já demonstra o seu valor próprio. Se tu não poderes colher o fruto que esta árvore dá, a árvore deixa de ter o seu valor próprio?
Não, a árvore continua a ter o mesmo valor e continua a comunicar-nos o valor do Criador independentemente de lhe podermos colher o fruto. Se vamos responder que sim, deixa de ter valor vamos cair no erro do utilitarismo em que os seres e as coisas têm valor conforme nos são ou não úteis.

Temos então a Vida em que cada ser tem o seu próprio valor, independente de nós e temos dois erros: o subjectivismo em que nós é que atribuímos o valor e o utilitarismo em que ignoramos o valor próprio se o ser não nos for útil.

Agora em relação a Deus, conseguimos ver em Deus o valor próprio que tem e a Vida que nos deu ou caímos no erro do subjectivismo e utilitarismo em que o valor vai estar dependente do que dá à minha vida, vai estar dependente da experiência que faço de Deus, vai estar dependente da relação pessoal que possa ter com Deus?

Por isso a Fé Católica é um assentimento que damos livremente a Deus e ao que nos revelou, não está dependente da subjectividade e utilidade que possamos encontrar ou sentir. Dizemos sim a Deus e ao que nos revelou vendo em Deus e na revelação o valor próprio que têm.

Estás a começar a descobrir a Verdade.
Se a Vida e cada ser têm valor independente do que cada um de nós sentir e pensar e têm esse valor mesmo se nós não existíssemos então existe algo que dá ordem e equilibro ao valor de cada ser e à relação entre eles.
Como sabemos qual a medida correcta para a justiça, a misericórdia e para o próprio amor? Se o valor de cada ser é independente de nós, é absoluto e não subjectivo, então a justiça, a misericórdia e o próprio amor terão de ser também independentes de nós, terão de ter uma forma absoluta e não subjectiva.
Essa medida correcta é a Verdade, esta é absoluta e não subjectiva, foi estabelecida e foi-nos dada por Deus, assim não existem "verdades" contrárias entre si ou dependentes da opinião e sentimentos de cada um.

Por isso a Fé Católica é um assentimento que damos livremente a Deus e ao que nos revelou, pois na Fé é transmitida a Verdade que Deus estabeleceu. A Fé é baseada na Verdade e não em sentimentos.

Com a Fé aprendemos a Verdade sobre nós, em que pecado original destruiu a comunhão do Homem com Deus, é por isso necessário o baptismo para removermos o pecado original. No mundo continuamos sobre a influência das tentações e do pecado e por isso necessitamos da ajuda da Graça de Deus. Jesus estabeleceu a Igreja e os sacramentos como meios de salvação, a partir dos quais nos é comunicada a Graça de Deus.

Abrir os olhos para Verdade e a Vida
Infelizmente a sociedade moderna edificou-se na soberba (orgulho e vaidade), a partir do renascimento o Homem foi tentando iluminar-se por si mesmo e libertar-se de qualquer forma de autoridade, foi-se afastando de Deus , da Igreja e criando um Jesus que deixa de ser Rei para passar a ser apenas amigo e mestre: é o Homem em busca da liberdade e igualdade absolutas, ignorando a Verdade e a Vida estabelecidas por Deus.

Jesus tornou-nos livres mas essa liberdade contém a Verdade e a Vida: "Se permanecerdes fiéis à minha mensagem, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres" (Jo 8, 31-32). Como contém a Verdade a liberdade contém a ordem, hierarquia, justiça, não é uma liberdade qualquer, é uma liberdade estabelecida segundo a ordem de Deus. Como contém a Vida a liberdade não está dependente dos nossos sentimentos.

A liberdade de Jesus é sermos livres do pecado e do materialismo do mundo, é sermos livres fazendo parte da Verdade e da Vida estabelecidas por Deus. 
A sociedade moderna afastou-se da liberdade de Jesus pois comete o erro de sentir a Verdade e a Vida como falta de liberdade. É a tentação da soberba, afastou-se assim de Deus e voltou ao paganismo. A partir daqui apenas procura Deus dentro de si mesmo, no sentido subjectivo e útil de uma vida melhor.

Faz o Papa São João XXIII um diagnóstico preciso da nossa sociedade:
"A causa e a raiz de todos os males que, por assim dizer, envenenam os indivíduos, os povos e as nações, e tantas vezes perturbam o espírito de muitos, está na ignorância da verdade. E não só na ignorância, mas às vezes até no desprezo e no temerário afastamento dela. Daqui erros de toda a espécie, que penetram como peste nas profundezas da alma e se infiltram nas estruturas sociais, desorganizando tudo, com grave ruína dos indivíduos e da sociedade humana. Mas Deus dotou-nos duma razão capaz de conhecer as verdades naturais. Seguindo a razão, seguimos ao próprio Deus, que é o autor dela e ao mesmo tempo legislador e guia da nossa vida; mas, se por loucura ou preguiça, ou, pior ainda, por má vontade, nos afastamos do recto uso da razão, apartamo-nos ao mesmo tempo do sumo bem e da lei moral.

Como dissemos, ainda que possamos atingir com a razão as verdades naturais, contudo, este conhecimento - sobretudo no que se refere à religião e à moral - nem todos podem facilmente consegui-lo; e, se o conseguem, muitas vezes vem misturado com erros. Além disso, as verdades, que ultrapassam a capacidade natural da razão, não podemos de modo nenhum atingi-las sem a ajuda duma luz sobrenatural. Por isso o Verbo de Deus, que "habita a luz inacessível" (1 Tm 6,16), com imenso amor e compaixão do género humano "fez-se carne e habitou entre nós" (Jo 1,14), para iluminar "todo o homem que vem a este mundo" (Jo 1,9) e conduzir todos, não só à plenitude da verdade, mas também à virtude e à eterna bem-aventurança. Todos estão, portanto, obrigados a abraçar a doutrina do Evangelho. Uma vez rejeitada, vacilam os próprios fundamentos da verdade, da honestidade e da civilização." (Ad Petri Cathedram (4))


Como católicos temos de acordar, o modernismo encontra-se por todo o lado, mesmo na própria Igreja muitos membros abraçando o modernismo anunciam um outro Evangelho, abandonando a Verdade anunciam apenas a ilusão de um mundo melhor. Vemos isso quando na pregação quando apenas falam do mundo e do lado material da vida, neles não há vida sobrenatural, é uma pregação espiritualmente seca, sem nos elevar ao Alto, à Verdade, onde a Graça foi abandonada por um "sermos felizes".

Continua o Papa São João XXIII:
"Como é evidente, trata-se duma questão gravíssima inseparavelmente ligada com a nossa salvação eterna. Aqueles que, como adverte o Apóstolo das gentes, estão "sempre aprendendo mas sem jamais poder atingir o conhecimento da verdade" (2 Tm 3,7), e negam à razão humana a possibilidade de chegar a qualquer verdade certa e segura, e rejeitam as verdades reveladas por Deus, necessárias para a salvação eterna: esses infelizes estão bem longe da doutrina de Jesus Cristo e do pensamento do mesmo Apóstolo das gentes, que exorta a "alcançar todos nós à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus..  Assim não seremos mais crianças, joguete das ondas, agitados por todo vento de doutrina, presos pela artimanha dos homens, e da sua astúcia que nos induz ao erro. Mas, seguindo a verdade em amor cresceremos em tudo em direção àquele que é a Cabeça, Cristo, cujo corpo, em sua inteireza, bem ajustado e unido por meio de toda junta e ligadura, com a operação harmoniosa de cada uma das suas partes, realiza o seu crescimento para a sua própria educação no amor" (Ef 4,13-l6)." (Ad Petri Cathedram (5))

Estas palavras do Papa São João XXIII parecem dirigidas a nós católicos quando na missa passamos a ter um convívio comunitário, numa refeição de acção de Graças em vez do culto a Deus no oferecimento do Sacrifício do Altar:
"Não faltam também os que, sem impugnarem de propósito a verdade, tomam uma atitude de negligência e sumo descuido, como se Deus não nos tivesse dado a razão para procurar e alcançar a verdade. Este reprovável modo de proceder conduz, quase espontâneamente, à afirmação absurda de que todas as religiões se equivalem, sem nenhuma diferença entre a verdade e o erro. "Este princípio - para usar palavras do mesmo nosso predecessor - leva necessariamente à ruína de todas as religiões, especialmente da católica, que, sendo a única verdadeira entre todas, não pode sem grandíssima ofensa ser colocada no mesmo plano que as outras". Além disso, negar toda a diferença entre coisas tão contraditórias, pode levar à ruinosa conclusão de excluir todas as religiões na teoria e na prática. Como poderia Deus, que é a própria verdade, aprovar ou tolerar a indiferença, a negligência e a apatia daqueles que, em questões de que depende a salvação eterna de todos, não fazem nenhum caso nem se importam de procurar e encontrar as verdades necessárias, nem prestar a Deus o culto que lhe é devido?

Hoje tanto empenho e diligência se põem no estudo e no progresso do saber humano, e a nossa época bem se pode gloriar das admiráveis conquistas alcançadas na investigação científica. Então, por que não se há de pôr igual empenho, até mesmo maior, na aquisição segura daquele saber que diz respeito, não já a esta vida terrena e caduca, mas à celeste que nunca terá fim? Só quando tivermos alcançado a verdade que deriva do Evangelho, e que deve traduzir-se na prática da vida, só então a nossa alma poderá gozar a tranquila posse da paz e alegria; alegria imensamente superior à que pode vir dos descobrimentos da ciência e daquelas maravilhosas invenções de hoje, que todos os dias são exaltadas, e elevadas, por assim dizer, até às estrelas." (Ad Petri Cathedram (5))

Sobre a Fé católica e a missa:
"A Igreja Católica manda crer fiel e firmemente tudo o que Deus revelou, isto é, o que está contido na Sagrada Escritura e na Tradição tanto oral como escrita e, no decurso dos séculos, desde o tempo dos apóstolos foi estabelecido e definido pelos Sumos Pontífices e pelos legítimos Concílios Ecumênicos. Sempre que alguém se afastou desta verdade, a Igreja com a sua materna autoridade não deixou de o chamar repetidamente ao reto caminho. Pois sabe muito bem e defende que há uma só verdade e que não podem admitir-se "verdades" contrárias entre si; faz sua a afirmação do Apóstolo das gentes: "Nada podemos contra a verdade, mas pela verdade" (2 Cor 13,8)." (Ad Petri Cathedram (37))

"Quem ignora que a Igreja Católica, desde o tempo dos Apóstolos e pelo decurso dos séculos, teve sempre sete sacramentos, nem mais nem menos, recebidos de Jesus Cristo como herança sagrada, os quais ela distribui em todo o orbe católico, para alimento da vida sobrenatural dos fiéis? E quem ignora que nela se celebra um só sacrifício, o Eucarístico, em que o próprio Cristo, nosso Salvador e Redentor, de modo incruento mas real, como outrora pregado na cruz do Calvário, se imola cada dia por nós todos, e difunde misericordiosamente sobre nós os tesouros infinitos da sua graça? Por isso, com muita razão notou S. Cipriano: "Não é lícito estabelecer outro altar e um novo sacerdócio, além do único altar e do único sacerdócio"." (Ad Petri Cathedram (40))

A paz
" Vinde; "compreendei-nos" (2 Cor 7,2); não queremos outra coisa, não desejamos outra coisa, não pedimos a Deus outra coisa senão a vossa salvação, a vossa eterna felicidade. Vinde; desta suspirada unidade e concórdia, que deve ser alimentada pela caridade fraterna, nascerá grande paz; aquela paz "que supera todo o entendimento (Fl 4,7), porque desce do céu; aquela paz que, por meio do concerto angélico sobre o seu presépio, Cristo anunciou aos homens de boa vontade (cf. Lc 2,4), e que depois da instituição da Eucaristia como sacramento e sacrifício, deu com estas palavras: "Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo dá " (Jo 14,27). Paz e alegria; sim também a alegria porque aqueles que pertencem real e eficazmente ao corpo místico de Cristo, que é a Igreja Católica, participam daquela vida, que da Cabeça divina deriva para todos os membros. Esta fará que todos os que obedecem aos preceitos e mandamentos do nosso Redentor possam gozar já nesta existência mortal aquela alegria que é o penhor e anúncio da eterna felicidade do céu.

Mas esta paz, esta felicidade, enquanto percorremos o árduo caminho nesta terra de exílio, é ainda imperfeita. Não é paz completamente tranqüila, de todo serena. É paz operosa, não ociosa nem inerte. Sobretudo é paz militante contra todo o erro, mesmo que dissimulado sob aparências de verdade, contra o atrativo e seduções do vício, e contra toda a espécie de inimigos da alma, que procuram enfraquecer, manchar e arruinar os bons costumes ou a nossa fé católica; e também contra os ódios, rivalidades, dissídios que a podem quebrar ou lacerar. Por isso, o Divino Redentor nos deu e recomendou a sua paz.

A paz, portanto, que devemos procurar e esforçar-nos por conseguir, deve ser a paz que não cede ao erro, que não se compromete de nenhum modo com fautores do erro, que não se entrega aos vícios e que evita toda a discórdia. É paz que exige, da parte dos que a desejam, a pronta renúncia às comodidades e vantagens próprias por causa da verdade e da justiça, segundo a recomendação evangélica: "Procurai primeiro o reino de Deus e a sua justiça..." (Mt 6,33)." (Ad Petri Cathedram (48-50))

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